Rio+20: O nonsense insustentável do Rio
Se George Orwell estivesse vivo hoje, primeiro ficaria irritado e, depois, assombrado com a forma cínica como quase todo lobby com algum interesse a defender e dinheiro para queimar buscou amarrar-se ao atrativo termo “desenvolvimento sustentável”.
A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio+20, na verdade, aborda os projetos favoritos de cada um dos envolvidos, muitos deles tangenciais às principais questões ambientais, como as mudanças climáticas, que foram o principal legado da Cúpula da Terra original no Rio de Janeiro, a Eco-92.
Grupos de pressão sindicalistas e a Organização Internacional do Trabalho – OIT conseguiram, dessa forma, inserir entre as sete prioridades na conferência no Rio a questão “empregos decentes”.
Mas o que isso tem a ver com o ambiente ou a “sustentabilidade”?
Não se deveria fingir que podemos, como mágica, oferecer empregos decentes para fileiras enormes de trabalhadores de baixa renda do setor informal.
Empregos desse tipo apenas podem ser criados com a adoção de políticas econômicas apropriadas. Na verdade, a tarefa realmente premente para muitas economias em desenvolvimento é buscar políticas que promovam oportunidades econômicas, via aceleração do crescimento.
A atmosfera dominante no Rio nesta semana apontava para a “indexação da sustentabilidade” de empresas, como forma de “responsabilidade social empresarial” – RSE.
Essa indexação vem sendo comparada com algo parecido com os padrões de contabilidade. As normas contábeis, no entanto, são “técnicas” e sua padronização traz vantagens, enquanto as questões de sustentabilidade não o são e precisam refletir a variedade de alternativas.
É possível, naturalmente, pedir às empresas para estarem em conformidade com alguma lista sobre o que “não devem fazer”, não despejar mercúrio nos rios, não empregar crianças em trabalhos de riscos, etc.
Já o que eles “fazem”, como forma de altruísmo, certamente depende do que consideram virtuoso o suficiente para gastar seu dinheiro.
A noção de que um grupo de ativistas nomeados por eles mesmos, em conjunto com alguns governos e agências internacionais, pode determinar o que uma empresa deve fazer em termos de RSE contradiz a noção liberal de que devemos defender a busca da virtude, mas não de uma forma particular.
Em tempos em que o mundo enfatiza a importância da diversidade e da tolerância, é um atrevimento sugerir que as empresas deveriam padronizar a noção de como desejam promover o bem no mundo.
A platitude predomina mesmo quando a agenda da Rio+20 inclui algo mais propriamente “ambiental”, por exemplo, a oferta de água. A disponibilidade de água potável agora será consagrada como um “direito”.
Em convenções de direitos humanos normalmente distinguimos os direitos políticos e civis obrigatórios, como o direito a habeas corpus, e os direitos econômicos aspiracionais, já que estes requerem a disponibilidade de recursos.
Obscurecer essa distinção, desconsiderando, portanto, o problema da escassez, não é uma solução.
Afinal, a palavra “disponibilidade” pode ser interpretada de acordo com muitos critérios e, portanto, de mil formas: quanta água? A que distância de cada casa, ou seria encanada até as casas? A que custo?
Essas decisões têm implicações diferentes para a disponibilidade de água e, em todo caso, precisam concorrer contra outros “direitos” e usos dos recursos.
No fim das contas, portanto, a disponibilidade de água não pode apropriadamente ser chamada de um “direito”. Mais do que isso é uma “prioridade” e, inevitavelmente, haverá diferenças na forma como os países a buscam em relação a outras.
Mais gritantes que esses “pecados por intromissão” na Rio+20, são os “pecados por omissão”.
Para uma conferência que supostamente aborda a “sustentabilidade”, vale lamentar a ausência de bravos esforços para acertar algum tratado sucessor do Protocolo de Kyoto.
Caso sejam válidos os cenários catastróficos resultantes da desatenção às mudanças climáticas/as estimativas extremas, é preciso dizer, podem sair pela culatra politicamente caso pareçam implausíveis ou, pior, produzam um “efeito Nero” : se Roma já está pegando fogo, vamos aproveitar, a falta de ação Rio+20 deveria ser considerada como um fracasso histórico.
Uma omissão correspondente, no entanto, é a desencadeada pela insustentabilidade política cada vez maior, não como resultado dos problemas financeiros imediatos que afligem a Europa e ameaçam o mundo, mas do fato de a mídia moderna ter tornado visível a todos as disparidades entre ricos e pobres.
Os ricos deveriam ser convocados a não ostentar sua riqueza: a extravagância em meio à pobreza em excesso desperta ira.
Os pobres, por sua vez, precisam de uma chance real de elevar suas rendas. Isso apenas pode concretizar-se por meio de acesso a educação e a oportunidades econômicas, tanto em países ricos como pobres.
“Menos excesso e mais acesso”: apenas uma combinação de políticas baseada nesse credo garantirá que nossas sociedades continuem viáveis e alcancem “sustentabilidade” genuína.
Artigo de Jagdish Bhagwati – professor de economia e direito na Columbia University e membro associado em questões de economia internacional do Council on Foreign Relations.
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico e socializado pelo Jornal da Ciência / SBPC, JC e-mail 4524.
EcoDebate, 25/06/2012